terça-feira, 17 de maio de 2011

REFLEXÃO SOCIOLÓGICA

“A humanização da mercadoria levou a uma desumanização do próprio homem, que se torna cada vez mais escravo da riqueza gerada pelas suas próprias mãos.”  (Friederich Engels)

CIDADÃOS E OPERÁRIOS DE UM BRASIL EM CONSTRUÇÃO

“Operário em construção”, de Tarsila do Amaral.

    Observe atentamente o que está a sua volta: as paredes que o cercam, o teto que o protege das ameaças externas, o chão firme que lhe dá sustentação, a cadeira em que você está sentado confortavelmente enquanto faz a leitura deste texto. Estamos tão acostumados a todos esses elementos que não paramos para pensar como seria viver sem eles. Pois é. Mas, por trás de cada objeto, de cada coisa que usufruímos, existe um rosto, uma vida, sonhos que são adiados para poder tornar reais os sonhos e desejos de outras pessoas.
     Evocamos aqui uma figura para que possamos pensar a respeito da questão do trabalho em nossa sociedade: o operário. Esse peão do jogo social, que geralmente não é lembrado e reconhecido por muitos, mas que sem o seu trabalho a construção de várias sociedades ao longo da história não teria sido possível. Para isso, tomaremos como exemplo a poesia de Vinícius de Moraes “Operário em construção” e a música “Cidadão” escrita pelo poeta baiano Lúcio Barbosa, famosa na interpretação de Zé Ramalho e outros cantores conhecidos do público. O Operário de Vinícius é um trabalhador que tudo constrói e a tudo atende, inicialmente sem reflexão: “Mas tudo desconhecia/De sua grande missão”. Em outro momento, o operário, porém, se vê surpreso ao constatar que suas mãos trabalharam no que está ao redor de si e ao tomar consciência de que, antes de ser operário de suas construções, era homem. Vai percebendo, em escala ascendente, que grande parte do que possui a cidade foram suas mãos que fizeram nascer - “Não sabereis nunca o quanto aquele humilde operário soube naquele momento [...] O operário emocionado/Olhou sua própria mão/ [...] E olhando bem para ela/Teve um segundo a impressão/De que não havia no mundo/Coisa que fosse mais bela.”
    O operário de Lúcio Barbosa, já movido pela consciência de não ver reconhecido seu trabalho, acaba por mostrar sua indignação com tal descrédito social: “Tá vendo aquele edifício, moço?/Ajudei a levantar/ [...] Hoje depois dele pronto/Olho pra cima e fico tonto/Mas me vem um cidadão/E me diz desconfiado/ ‘Tu tá aí admirado/ ‘ou tá querendo roubar’.” Em sua letra, o autor sempre cita um “Cidadão” que impede o trabalhador de entrar nos locais ou mesmo de contemplar as construções nas quais suas mãos trabalharam. Por fim, o único local em que ele pode entrar é a igreja, onde Jesus lhe diz: “Rapaz, deixe de tolice/Não se deixe amedrontar/Fui eu quem criou a Terra/Enchi o rio, fiz a serra/Não deixei nada faltar/Hoje o homem criou asa/ E na maioria das casas/Eu também não posso entrar”. Esse mesmo operário reflete a contradição da sociedade, pois o  mesmo trabalhador que constrói os belos prédios, as casas e escolas não tem condições de construir seu próprio teto; como também nos faz refletir sobre o significado do trabalho na sociedade atual, cabendo aqui uma pergunta: o trabalho dignifica ou oprime o homem?
    Enquanto esses operários ficam à margem da sociedade, vivendo, ou melhor, sobrevivendo em condições precárias e muitas vezes miseráveis, vivemos gozando do conforto que eles nos proporcionam com sua arte de tijolos, cimento e suor. Muitas vezes, o que temos de sobejo corresponde ao que lhes falta. E, como se não bastasse, são discriminados socialmente por serem pessoas humildes e por seu trabalho ser considerado “menor”, já que não se esconde por detrás de ternos sóbrios, gravatas apertadas e palavras doutas. A pele esbranquiçada pela cal, misturada ao vermelho dos tijolos e enegrecida pelo trabalho de sol a sol é a epiderme de um país, do nosso país, Brasil de todas as cores, das diferenças, um país em construção. Mas a construção não se faz por si só. Para que uma casa seja erguida, são necessários alguns operários; para que um prédio ganhe alturas, são necessários muitos operários; para se construir um país, operários de pá e massa só não bastam, é preciso operários-cidadãos. Somente quando houver a consciência de que somos todos operários de um país em construção, uns operários da palavra, outros operário dos números, operários da terra, operários da saúde, enfim, operários-cidadãos em constante construção, será possível edificar um país menos hipócrita e mais unido.
    Vinícius de Moraes e Lúcio Barbosa nos dão a chave para abrirmos a primeira porta dessa grande mudança: a reflexão. A partir do momento em que os personagens começam a questionar-se e a observar seu trabalho com olhos críticos, percebem a importância que exercem na sociedade. E, da mesma maneira, notam que essa sociedade, cujo crescimento se dá em grande parte por meio de seus esforços, discriminando-os, julgando-os por exercerem um trabalho manual que “não tem valor”, representando apenas as partes úteis que servem ao trabalho, que produzirão riqueza que jamais poderão usufruir. Não são homens, somente braços carregando pedras, mãos misturando a massa, pernas sustentando blocos de cimento, pés trilhando caminhos de novas construções. Observamos que cada indivíduo é chamado a desempenhar determinado papel na vida social; conforme dito acima, contamos com os operários da palavra, os operários dos números, os operários da terra, os operários da saúde e outros, e há uma estrutura de colaboração em que cada peça tem valor fundamental.
    Por fim, o poema "Operário em construção", de Vinícius de Moraes, e a canção "Cidadão", de Lúcio Barbosa servem para algumas reflexões pertinentes a todos, reflexões que esquecemos na esteira do dia a dia, conquanto sejam essenciais para pensarmos a sociedade em que vivemos.
 
Adaptado de Bárbara Fernandes Ferreira e Beatriz Badim de Campos (http://brasildiversificado.blogspot.com/2010/10/consideracoes-operario-em-construcao-de.html)

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SOBRE A AUTORA: ANA CARMEM AGUIAR RODRIGUES (LICENCIADA EM CIÊNCIAS SOCIAIS, ESPECIALISTA EM ENSINO DE HISTÓRIA DO CEARÁ E ACADÊMICA DO CURSO DE DIREITO PELA UNIVERSIDADE ESTADUAL VALE DO ACARAÚ – UVA. PROFESSORA SUPERVISORA DO PIBIB -SOCIOLOGIA NA ESCOLA DE EEFM MINISTRO JARBAS PASSARINHO EM SOBRAL-CE.) TEMOS COMO OBJETIVO CRIAR UM ESPAÇO VIRTUAL QUE POSSA SER SER COMPARTILHADO POR PROFESSORES, ALUNOS E LICENCIANDOS DE SOCIOLOGIA, PARTIR DA DIVULGAÇÃO DE MATERIAL DIDÁTICO E O DESENVOLVIMENTO DE PESQUISAS, METODOLOGIAS E EXPERIÊNCIAS VOLTADAS PARA A INTERVENÇÃO, MELHORIA E DEFESA DO ENSINO DE SOCIOLOGIA NA EDUCAÇÃO BÁSICA.